Preciso
compartilhar esse texto, escrito por Márcia Pontes. Publicado na BLUMENEWS.
Desse
jeito, porque um link, nem sempre é clicado...
Quando
eles vão embora cedo demais
O
último caso foi o triste acidente que ceifou a vida da jovem Larissa na Praça
do Estudante.
Não
existe dor maior, vazio mais profundo e perda mais irreparável do que a da
morte.
Cada
vez que sabemos da morte de alguém conhecido morremos junto. Quando é alguém
desconhecido, por alguns momentos nos comovemos, sentimos, nos colocamos no
lugar da família, dos pais, dos filhos, mas voltamos rapidinho à nossa
realidade porque não suportamos.
Quando
é nosso pai, nosso filho, marido, esposa, amigo, aí desmoronamos. Nunca mais
somos os mesmos.
A
sensação é de paralisia, desespero, não acreditamos, a ficha não cai. Só quem
foi acordado com a notícia de um acidente durante a madrugada sabe como é o
mundo desmoronar sobre nós.
Nada
mais importa: carro, riqueza, status, ostentação, os bens que construímos ao
longo de toda a nossa vida ou tudo aquilo que não temos e que faz falta. Nada
mais faz mais falta do que a vida.
Nada
mais faz mais falta do que o bom dia a quem se foi e nunca mais vai voltar.
Nada mais faz mais falta do que o sorriso, a alegria, o abraço, a presença
física de quem amamos. Pensem na dor de um pai que perde seu filho cedo demais.
Alguns, ainda bebês, crianças, adolescentes, ou mesmo adultos e idosos.
Mas,
o que importa mesmo é que eles nunca mais voltarão porque foram vítimas de
alguém que agiu com imprudência, perícia, negligência, ou vítimas de si mesmos.
O tempo não volta como nos filmes de campanhas premiadas de acidentes de
trânsito, em que identificamos o erro, o reparamos e pedimos desculpas.
Nossos
jovens continuam espertos demais, desafiadores demais, autoconfiantes demais.
Eles já nascem bem informados, com a tecnologia na mão, mas, por algum motivo
há ruído na comunicação e eles não captam a mensagem de autocuidados.
Desde
que se inventou o automóvel e os outros tipos de veículos são eles que
encabeçam todo o tipo de estatística sobre acidentes, mortos e feridos.
Aquelas
cenas trágicas com carros capotados, divididos ao meio, destruídos, os corpos
espalhados e a família em desespero que a realidade nos mostra a cada dia não
os tocam, não os sensibiliza. Eles não conseguem entender que não estão imunes
e tampouco se colocar no lugar das vítimas e de suas famílias. Eles parecem e
demonstram não acreditar que não há antídoto e que acidentes só “acontecem” com
os outros.
Quantos
morreram tirando selfie enquanto aceleravam e viam o ponteiro do velocímetro
estar próximo ou atingir o máximo? Quantos morreram acelerando o carro novo e
potente que ganharam ou emprestaram dos pais mesmo com pouco tempo de
habilitação? Quantos morreram ao volante ou de carona segurando o celular, a
lata ou garrafa de cerveja ou destilado misturado com energético?
Quantos
morreram ou mataram os seus melhores amigos depois de estar com eles há minutos
comemorando a alegria da juventude, o final das aulas, o final de semana ou até
mesmo o aniversário?
Informação
parece não ser o problema, pois pertencem à geração Y, nasceram na era da
tecnologia em que se acessa tudo com um simples toque na tela. O problema é o
modo como são seletivos: se a realidade cotidiana nos mostra tragédias no
trânsito eles pulam e não acessam. Acessam-se, é por curiosidade, mas o que
lêem e vêem não lhes é significativo.
Dizer
que são os filhos de famílias desestruturadas e de pouca instrução ou de classe
social menos abastada não é regra, pois muitos são bem nascidos, cresceram em
famílias amorosas, estudaram nas melhores escolas, estudam nas melhores
universidades, ganham carros potentes logo cedo e costumam ter uma vida menos
difícil e mais confortável do que a maioria de sua idade.
Mas,
o comportamento de risco continua sendo o mesmo: festas, baladas, comemorações
de aniversário que deveriam ser para celebrar a vida e mais um ano entre nós.
Só que terminam em tragédia.
Ao
lado do carro capotado as latas de cerveja, garrafas de bebida alcoólica. Não
raro, corpos atirados pelo vidro porque relaxaram tanto, confiaram tanto ao
ponto de estarem sem cinto. “Não dá nada”, pensam.
E
em questão de minutos o riso, a alegria, a gargalhada farta e sincera vira
grito de dor, de desespero, vira choro e pedidos de socorro antes de ficarem
inconscientes como resultado da colisão que poderia ter sido evitada. Depois
que o previsível se confirma nada mais pode ser feito.
O
tempo não volta.
Balada,
para muito jovens, só faz sentido se for de carro. Para tantos, só faz sentido
se tiver bebida alcoólica. Carona com alguém sóbrio, taxi ou transporte
coletivo nem pensar. “É palha”. Tem o carro prá quê?
Pais,
filhos e sociedade precisam ser orientados.
Diante
de uma tragédia como a que vitima centenas de jovens por dia no trânsito do
nosso país se ouve e se lê de tudo nesse campo aberto, minado e, muitas vezes,
pouco humanizado que são as redes sociais. Da parte dos familiares e amigos, a
comoção, a dor, os mais profundos sentimentos e lamentos.
Da
parte de estranhos, o julgamento: os pais não educaram direito, os filhos que
não obedecem aos pais, que eles acharam o que procuraram enquanto muitos não
conseguem orientar seus próprios filhos, familiares e amigos.
A
educação para o trânsito, o diálogo, a informação, a orientação e a construção
de limites começa em casa, mas vivemos uma geração de filhos desobedientes que
não ouvem os seus pais, e isso não significa que sejam filhos mal educados.
Pelo contrário: muitos são amorosos, carinhosos e sem saber, despedem-se de
seus pais pela última vez com beijos e abraços. Eles sabem o que fazer, eles
sabem as consequências de beber e dirigir, de acelerar, de transgredir no
trânsito, de não usar cinto de segurança e de não exigir que os outros
passageiros o usem. Eles apenas ignoram os autocuidados e os conselhos dos
pais. Eles apenas ignoram e todos se machucam. Todos pagam um preço alto
demais.
Não
há que se execrar o jovem motorista que foi embora cedo demais porque ele errou
e pagou com a própria vida. Não existe punição pior do que esta.
Não
há que se culpar os pais porque seus filhos os desobedeceram. Eles já estão
sofrendo demais com a morte de seus filhos ao verem a lei natural da vida se
inverter e que diz que são os filhos que enterram os seus pais e não o
contrário.
O
nosso maior desafio enquanto cidadãos, pais e sociedade é encontrar uma
linguagem que faça sentido para os nossos jovens e possibilite a aproximação, o
acesso à eles, aos seus interesses e os façam adotar práticas seguras para
viver e dirigir.
Precisamos
saber onde e como nossos jovens estão, nos aproximarmos deles, encontrar um
canal de diálogo e de orientação que realmente funcione. Precisamos alertá-los
das consequências de todas as transgressões possíveis na vida e no trânsito e
para isso, a participação de todos é fundamental.
Grupos
de escoteiros, membros de Rotary, clubes, associações de moradores, terceiro
setor, poder público, lideranças da sociedade, enfim, todos nós que tivermos
contato com crianças, adolescentes e adultos mais jovens precisamos fazer a
nossa parte, mas da forma correta.
Tudo
o que temos a fazer não é só lamentar ou deixar nossos sinceros sentimentos às
famílias de mortos e feridos no trânsito. Podemos e precisamos fazer muito mais
todos os dias por todos que estão ao nosso redor para que também não os
percamos para sempre.
Conversem
mais com seus filhos, abracem mais, beijem mais, orientem mais. Negocie limites
com eles. Mostre as consequências de cada ato impensado na vida e no volante.
Se
for presentear o seu filho com um carro, não dê logo de cara carros potentes,
principalmente se eles ainda têm pouco tempo de habilitação, sem esquecer que
sem autocuidados qualquer pedestre ou veículo pode protagonizar tragédias no
trânsito.
Saiba
que filhos tendem a testar toda a forma de autoridade, começando pela do pai e
da mãe.
Em
algum momento transgredirão alguma regra familiar ou social para tentar mostrar
que já são gente grande e sabem se virar sozinhos.
Não
há outro caminho: ou nos protegemos uns aos outros ou continuaremos a ver
nossos filhos indo embora cedo demais.
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SOBRE O AUTOR
Márcia
Pontes
Márcia
Pontes é educadora de trânsito, escritora e Coordenadora do Movimento
Internacional Maio Amarelo em Santa Catarina. Realiza um trabalho voluntário de
Educação Para o Trânsito online nas redes sociais com foco na segurança no
trânsito, ética e cidadania. Escreve o Blog Aprendendo a Dirigir voltado à
formação significativa de condutores e prevenção de acidentes. Defende e
pratica a Educação Para o Trânsito por meio de informação à população.
Graduação em Segurança no Trânsito pela Unisul. Especialização em Planejamento
e Gestão de Trânsito pela Unicesumar.
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