“Não espere que o impossível aconteça, se nem o possível você é capaz de fazer acontecer!” (A.S. 2015)

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Quando eles vão embora cedo demais

Preciso compartilhar esse texto, escrito por Márcia Pontes. Publicado na BLUMENEWS.

Desse jeito, porque um link, nem sempre é clicado...

Quando eles vão embora cedo demais

O último caso foi o triste acidente que ceifou a vida da jovem Larissa na Praça do Estudante.

Não existe dor maior, vazio mais profundo e perda mais irreparável do que a da morte.

Cada vez que sabemos da morte de alguém conhecido morremos junto. Quando é alguém desconhecido, por alguns momentos nos comovemos, sentimos, nos colocamos no lugar da família, dos pais, dos filhos, mas voltamos rapidinho à nossa realidade porque não suportamos.

Quando é nosso pai, nosso filho, marido, esposa, amigo, aí desmoronamos. Nunca mais somos os mesmos.

A sensação é de paralisia, desespero, não acreditamos, a ficha não cai. Só quem foi acordado com a notícia de um acidente durante a madrugada sabe como é o mundo desmoronar sobre nós.

Nada mais importa: carro, riqueza, status, ostentação, os bens que construímos ao longo de toda a nossa vida ou tudo aquilo que não temos e que faz falta. Nada mais faz mais falta do que a vida.

Nada mais faz mais falta do que o bom dia a quem se foi e nunca mais vai voltar. Nada mais faz mais falta do que o sorriso, a alegria, o abraço, a presença física de quem amamos. Pensem na dor de um pai que perde seu filho cedo demais. Alguns, ainda bebês, crianças, adolescentes, ou mesmo adultos e idosos.

Mas, o que importa mesmo é que eles nunca mais voltarão porque foram vítimas de alguém que agiu com imprudência, perícia, negligência, ou vítimas de si mesmos. O tempo não volta como nos filmes de campanhas premiadas de acidentes de trânsito, em que identificamos o erro, o reparamos e pedimos desculpas.

Nossos jovens continuam espertos demais, desafiadores demais, autoconfiantes demais. Eles já nascem bem informados, com a tecnologia na mão, mas, por algum motivo há ruído na comunicação e eles não captam a mensagem de autocuidados.

Desde que se inventou o automóvel e os outros tipos de veículos são eles que encabeçam todo o tipo de estatística sobre acidentes, mortos e feridos.

Aquelas cenas trágicas com carros capotados, divididos ao meio, destruídos, os corpos espalhados e a família em desespero que a realidade nos mostra a cada dia não os tocam, não os sensibiliza. Eles não conseguem entender que não estão imunes e tampouco se colocar no lugar das vítimas e de suas famílias. Eles parecem e demonstram não acreditar que não há antídoto e que acidentes só “acontecem” com os outros.

Quantos morreram tirando selfie enquanto aceleravam e viam o ponteiro do velocímetro estar próximo ou atingir o máximo? Quantos morreram acelerando o carro novo e potente que ganharam ou emprestaram dos pais mesmo com pouco tempo de habilitação? Quantos morreram ao volante ou de carona segurando o celular, a lata ou garrafa de cerveja ou destilado misturado com energético?

Quantos morreram ou mataram os seus melhores amigos depois de estar com eles há minutos comemorando a alegria da juventude, o final das aulas, o final de semana ou até mesmo o aniversário?

Informação parece não ser o problema, pois pertencem à geração Y, nasceram na era da tecnologia em que se acessa tudo com um simples toque na tela. O problema é o modo como são seletivos: se a realidade cotidiana nos mostra tragédias no trânsito eles pulam e não acessam. Acessam-se, é por curiosidade, mas o que lêem e vêem não lhes é significativo.

Dizer que são os filhos de famílias desestruturadas e de pouca instrução ou de classe social menos abastada não é regra, pois muitos são bem nascidos, cresceram em famílias amorosas, estudaram nas melhores escolas, estudam nas melhores universidades, ganham carros potentes logo cedo e costumam ter uma vida menos difícil e mais confortável do que a maioria de sua idade.

Mas, o comportamento de risco continua sendo o mesmo: festas, baladas, comemorações de aniversário que deveriam ser para celebrar a vida e mais um ano entre nós. Só que terminam em tragédia.

Ao lado do carro capotado as latas de cerveja, garrafas de bebida alcoólica. Não raro, corpos atirados pelo vidro porque relaxaram tanto, confiaram tanto ao ponto de estarem sem cinto. “Não dá nada”, pensam.

E em questão de minutos o riso, a alegria, a gargalhada farta e sincera vira grito de dor, de desespero, vira choro e pedidos de socorro antes de ficarem inconscientes como resultado da colisão que poderia ter sido evitada. Depois que o previsível se confirma nada mais pode ser feito.

O tempo não volta.

Balada, para muito jovens, só faz sentido se for de carro. Para tantos, só faz sentido se tiver bebida alcoólica. Carona com alguém sóbrio, taxi ou transporte coletivo nem pensar. “É palha”. Tem o carro prá quê?

Pais, filhos e sociedade precisam ser orientados.

Diante de uma tragédia como a que vitima centenas de jovens por dia no trânsito do nosso país se ouve e se lê de tudo nesse campo aberto, minado e, muitas vezes, pouco humanizado que são as redes sociais. Da parte dos familiares e amigos, a comoção, a dor, os mais profundos sentimentos e lamentos.

Da parte de estranhos, o julgamento: os pais não educaram direito, os filhos que não obedecem aos pais, que eles acharam o que procuraram enquanto muitos não conseguem orientar seus próprios filhos, familiares e amigos.

A educação para o trânsito, o diálogo, a informação, a orientação e a construção de limites começa em casa, mas vivemos uma geração de filhos desobedientes que não ouvem os seus pais, e isso não significa que sejam filhos mal educados. Pelo contrário: muitos são amorosos, carinhosos e sem saber, despedem-se de seus pais pela última vez com beijos e abraços. Eles sabem o que fazer, eles sabem as consequências de beber e dirigir, de acelerar, de transgredir no trânsito, de não usar cinto de segurança e de não exigir que os outros passageiros o usem. Eles apenas ignoram os autocuidados e os conselhos dos pais. Eles apenas ignoram e todos se machucam. Todos pagam um preço alto demais.

Não há que se execrar o jovem motorista que foi embora cedo demais porque ele errou e pagou com a própria vida. Não existe punição pior do que esta.

Não há que se culpar os pais porque seus filhos os desobedeceram. Eles já estão sofrendo demais com a morte de seus filhos ao verem a lei natural da vida se inverter e que diz que são os filhos que enterram os seus pais e não o contrário.

O nosso maior desafio enquanto cidadãos, pais e sociedade é encontrar uma linguagem que faça sentido para os nossos jovens e possibilite a aproximação, o acesso à eles, aos seus interesses e os façam adotar práticas seguras para viver e dirigir.

Precisamos saber onde e como nossos jovens estão, nos aproximarmos deles, encontrar um canal de diálogo e de orientação que realmente funcione. Precisamos alertá-los das consequências de todas as transgressões possíveis na vida e no trânsito e para isso, a participação de todos é fundamental.

Grupos de escoteiros, membros de Rotary, clubes, associações de moradores, terceiro setor, poder público, lideranças da sociedade, enfim, todos nós que tivermos contato com crianças, adolescentes e adultos mais jovens precisamos fazer a nossa parte, mas da forma correta.

Tudo o que temos a fazer não é só lamentar ou deixar nossos sinceros sentimentos às famílias de mortos e feridos no trânsito. Podemos e precisamos fazer muito mais todos os dias por todos que estão ao nosso redor para que também não os percamos para sempre.

Conversem mais com seus filhos, abracem mais, beijem mais, orientem mais. Negocie limites com eles. Mostre as consequências de cada ato impensado na vida e no volante.

Se for presentear o seu filho com um carro, não dê logo de cara carros potentes, principalmente se eles ainda têm pouco tempo de habilitação, sem esquecer que sem autocuidados qualquer pedestre ou veículo pode protagonizar tragédias no trânsito.

Saiba que filhos tendem a testar toda a forma de autoridade, começando pela do pai e da mãe.

Em algum momento transgredirão alguma regra familiar ou social para tentar mostrar que já são gente grande e sabem se virar sozinhos.

Não há outro caminho: ou nos protegemos uns aos outros ou continuaremos a ver nossos filhos indo embora cedo demais.

>> SOBRE O AUTOR

Márcia Pontes

Márcia Pontes é educadora de trânsito, escritora e Coordenadora do Movimento Internacional Maio Amarelo em Santa Catarina. Realiza um trabalho voluntário de Educação Para o Trânsito online nas redes sociais com foco na segurança no trânsito, ética e cidadania. Escreve o Blog Aprendendo a Dirigir voltado à formação significativa de condutores e prevenção de acidentes. Defende e pratica a Educação Para o Trânsito por meio de informação à população. Graduação em Segurança no Trânsito pela Unisul. Especialização em Planejamento e Gestão de Trânsito pela Unicesumar.

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